terça-feira, 5 de novembro de 2013

A presença

  • Uma mulher na faixa dos 30 anos de idade veio se consultar comigo. Enquanto ela me cumprimentava, senti o sofrimento por trás do seu sorriso educado e superficial. Ela começou contando a história da sua vida e, um segundo depois, seu sorriso se tornou uma expressão de dor. Em seguida, começou a soluçar de maneira incontrolável. Disse que se sentia solitária e insatisfeita. Acalentava muita raiva e tristeza. Quando criança, fora vítima de maus tratos infligidos por um pai violento., Logo constatei que sua infelicidade não era causada pelas circunstâncias da sua vida atual, e sim por um corpo de dor muito pesado que se tornara o filtro através do qual ela analisava sua situação de vida. Essa mulher ainda não era capaz de detectar a ligação entre a dor emocional e seus pensamentos e estava identificada com ambos. Ela não conseguia ver que continuava aumentando o corpo de dor com seus pensamentos. Em outras palavras, vivia com o fardo de um eu profundamente infeliz. De algum modo, contudo, deve ter compreendido que a origem daquilo estava no seu próprio interior, que ela era uma carga para si mesma. E estava pronta para despertar - por esse motivo decidira ir àquela consulta.

  •  Direcionei o foco da sua atenção para o que estava se passando dentro do seu próprio corpo e lhe pedi que sentisse a emoção diretamente, que não usasse o filtro dos seus pensamentos infelizes, da sua história triste. Ela disse que esperava que eu lhe mostrasse o caminho para sair da infelicidade, e não para entrar nela. Porém, mesmo relutante, atendeu minha solicitação. As lágrimas rolavam por sua face, todo o seu corpo tremia. 
  •  - Neste momento, o que você sente é isto - eu disse. - E não há nada que você possa fazer nesse sentido. Mas, em vez de querer que este momento seja diferente do que ele é, o que lhe causa ainda mais sofrimento, consegue admitir completamente que isto é o que você está sentindo neste exato instante?

  •  Ela ficou calada por alguns segundos e depois respondeu com raiva: 
  •  - Não, não quero aceitar isso.
  •  - Quem está falando? - perguntei. - Você ou sua infelicidade?
  •  Consegue ver que sua infelicidade com o fato de ser uma pessoa triste é apenas outra camada de infelicidade? Mais uma vez ela se manteve calada. 
  •  Não estou lhe dizendo para fazer alguma coisa. Tudo o que estou pedindo é que descubra se tem condições de permitir que esses sentimentos permaneçam com você. Em outras palavras, e elas podem parecer estranhas: se você não se importar em ser infeliz, o que acontecerá com a infelicidade? Não quer descobrir? Por um instante ela pareceu confusa e ficou sentada ali em silêncio por um minuto mais ou menos. De repente, notei uma mudança significativa no seu campo energético. Depois respondeu: - Isto é esquisito. Ainda estou infeliz, mas agora existe um espaço em volta da minha infelicidade. Ela parece ter menos importância. Essa foi a primeira vez que ouvi alguém descrever a situação desta maneira: existe um espaço ao redor da minha infelicidade. Esse espaço, é claro, é criado quando há aceitação interior de qualquer coisa que estejamos sentindo no momento. Não falei muito depois disso para permitir que ela vivenciasse a experiência. Mais tarde, essa mulher compreendeu o que havia acontecido. No momento em que ela interrompeu a identificação com o sentimento, isto é, com a antiga emoção dolorosa que acalentava, no instante em que lhe dirigiu sua atenção sem tentar resistir, essa emoção deixou de ter a capacidade de controlar seu pensamento e, assim, de se misturar a uma história construída mentalmente chamada "Como Sou Infeliz". Outra dimensão havia se manifestado na sua vida e transcendia seu passado - a dimensão da presença. Como ninguém pode ser infeliz sem uma história triste, aquilo representava o término daquele sofrimento. E também o começo do fim do seu corpo de dor. A emoção em si não é infelicidade. Apenas a emoção associada a uma história triste é infelicidade.

  •  Depois de encerrada a sessão, foi gratificante saber que eu tinha acabado de testemunhar o surgimento da presença em alguém. A própria razão da nossa existência na forma humana é trazer essa dimensão de consciência para o mundo. Eu também assistira a uma diminuição do corpo de dor, e não lutando contra ele, mas levando-lhe a luz da consciência.

  •  Minutos depois que essa mulher saiu, recebi a visita de uma amiga. Assim que ela entrou na sala, perguntou: "O que aconteceu aqui? A energia parece pesada, sombria. Estou até me sentindo um pouco mal. Você precisa abrir as janelas, acender um incenso."

  •  Expliquei que eu tinha acabado de testemunhar uma im-portante liberação de energia numa pessoa que tinha o corpo de dor muito denso. Portanto, aquilo que ela estava sentindo devia ser o resto da energia que fora emanada durante a sessão. Minha amiga, porém, recusou-se a ficar e escutar. Tudo o que ela queria era sair dali o mais rápido possível. 

  •  Abri as janelas e saí para jantar num restaurante indiano nas redondezas. O que aconteceu enquanto permaneci ali foi uma confirmação adicional e muito clara do que eu já sabia: todos os corpos de dor humanos, que aparentemente são individuais, estão interligados em algum nível. No entanto, a forma que essa ratificação em particular assumiu foi uma espécie de choque.

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