domingo, 3 de novembro de 2013

O nascimento da emoção

  • Além da agitação do pensamento, embora não inteiramente separada dele, existe outra dimensão do ego: a emoção. Isso não quer dizer que todo pensamento e toda emoção pertençam ao ego. Esses elementos se convertem no ego apenas quando nos identificamos com eles ou quando eles assumem o controle sobre nós, isto é, quando se tornam o eu.

  •  O organismo físico, nosso corpo, tem inteligência própria, assim como os organismos de todas as formas de vida. E essa inteligência reage ao que a mente diz, aos pensamentos. Portanto, a emoção é a resposta do corpo à mente. A inteligência do corpo, evidentemente, é uma parte inseparável da inteligência universal, uma das suas incontáveis manifestações. Ela dá coesão temporária aos átomos e às moléculas que constituem o organismo físico. E o princípio organizador por trás do funcionamento de todos os órgãos; da conversão de oxigênio e alimento em energia; dos batimentos cardíacos e da circulação do sangue; do sistema imunológico, que protege o corpo dos invasores; e da conversão das informações sensoriais em impulsos nervosos que são enviados ao cérebro, decodificados e reagrupados num quadro interior coerente com a realidade exterior. Tudo isso, assim como milhares de outras funções que ocorrem ao mesmo tempo, é coordenado com perfeição pela inteligência. Não somos nós que conduzimos o corpo. A inteligência faz isso. Ela também é responsável pelas respostas do organismo ao ambiente.

  •  Isso se aplica a todas as formas de vida. É a mesma inteligência que dá forma física à planta e depois se manifesta como a flor que dela surge, aquela que, de manhã, abre as pétalas para receber os pios de sol e, à noite, as fecha. É a mesma inteligência que se revela como Gaia, o ser vivo complexo que é o planeta Terra. 

  •  Essa inteligência faz surgir as reações instintivas do organismo a tudo o que representa uma ameaça ou um desafio. No caso dos animais, ela produz respostas que parecem ter afinidade com as emoções humanas, como raiva, medo e prazer. Essas reações instintivas poderiam ser consideradas formas primordiais de emoção. Em determinadas situações, os seres humanos as manifestam da mesma maneira que os animais. Diante do perigo, quando a sobrevivência do organismo é ameaçada, o coração bate mais rápido, os músculos se contraem, a respiração se acelera numa preparação para a luta ou a fuga. O medo primordial. Quando o corpo se vê sem possibilidade de fuga, uma descarga súbita de energia intensa lhe dá uma força que ele não tinha antes. A raiva primordial. Essas reações instintivas se assemelham às emoções, mas não são emoções no verdadeiro sentido da palavra. A diferença fundamental entre elas é: enquanto a reação instintiva é a resposta direta do corpo a uma situação externa, a emoção é a reação do corpo a um pensamento.

  •  Indiretamente, uma emoção também pode ser uma reação a uma situação ou a um acontecimento real, porém ela será uma reação ao acontecimento que terá passado pelo filtro da interpretação mental, do pensamento, ou seja, dos conceitos de bom e mau, semelhante e diferente, eu e meu. Por exemplo, pode ser que você não sinta nenhuma emoção ao ser informado de que 0 carro de alguém foi roubado. No entanto, caso se trate do seu carro, é provável que fique perturbado. E impressionante a quantidade de emoção que um pequeno conceito mental como "meu" pode gerar. 

  • Embora o corpo seja muito inteligente, ele não consegue diferenciar uma situação real de um pensamento. Por isso reage a todo pensamento como se fosse a realidade. Para o corpo, um pensamento preocupante, assustador, corresponde a "Estou em perigo", e ele responde à altura, embora a pessoa que esteja pensando isso possa estar deitada numa cama quente e confortável. O coração bate mais forte, os músculos se contraem, a respiração se acelera. Forma-se um acúmulo de energia, mas, uma vez que o perigo é apenas uma ficção mental, a energia não flui. Parte dela retorna à mente e dá origem a outros pensamentos ainda mais ansiosos. O resto da energia se converte em toxinas e interfere no funcionamento harmonioso do corpo.

O corpo de dor

  • No caso da maioria das pessoas, quase todos os pensamentos costumam ser involuntários, automáticos e repetitivos. Não são mais do que uma espécie de estática mental e não satisfazem nenhum propósito verdadeiro. Num sentido estrito, não pensamos - o pensamento acontece em nós. A afirmação "Eu penso" implica volição. Ou seja, podemos nos pronunciar sobre o assunto, podemos fazer uma escolha. Mas isso ainda não é percebido pela maior parte das pessoas. "Eu penso" é uma afirmação simplesmente tão falsa quanto "eu faço a digestão" ou "eu faço meu sangue circular". A digestão acontece, a circulação acontece, o pensamento acontece. 

  •  A voz na nossa cabeça tem vida própria. A maioria de nós está à mercê dela; as pessoas vivem possuídas pelo pensamento, pela mente. E, uma vez que a mente é condicionada pelo passado, então somos forçados a reinterpretá-lo sem parar. O termo oriental para isso é carma. Quando nos identificamos com essa voz, ignoramos isso. Se soubéssemos, não seríamos mais possuídos por ela, porque a possessão só acontece de verdade quando confundimos a entidade que nos domina com quem nós somos, isto é, quando nos tornamos essa entidade. 

  •  Ao longo de milhares de anos, a mente vem intensificando seu domínio sobre a humanidade, que deixou de ser capaz de reconhecer a entidade que se apossa de nós como o "não-eu". Por causa dessa completa identificação com a mente, uma falsa percepção do eu passa a existir - o ego. A densidade dele depende do grau em que nós - a consciência - nos identificamos com a mente, com o pensamento. Pensar não é mais do que um minúsculo aspecto da totalidade da consciência, de quem somos.

  •  O grau de identificação com a mente difere de indivíduo para indivíduo. Algumas pessoas desfrutam de períodos em que se encontram libertas do domínio da mente, ainda que brevemente. A paz, a alegria e o ânimo que elas experimentam nesses momentos fazem a vida valer a pena. Essas também são as ocasiões em que a criatividade, o amor e a compaixão se manifestam. Outras pessoas se mantêm presas ao estado egóico de modo contínuo. Permanecem alienadas de si mesmas, assim como dos demais e do mundo ao redor. Quando as observamos, conseguimos ver a tensão na sua face, talvez a testa franzida ou um olhar vago e distante. A maior parte da sua atenção está sendo absorvida pelo pensamento, por isso não nos vêem nem nos escutam. Elas não estão presentes em nenhuma situação - sua atenção está ou no passado ou no futuro, que, é claro, são formas de pensamento que existem apenas na mente. Ou, se estabelecem um relacionamento conosco, fazem isso por meio de algum tipo de papel que interpretam e, assim, não são elas mesmas. As pessoas, em sua maioria, vivem alienadas de quem elas são. Às vezes esse estado chega a tal ponto que a maneira como se comportam e se relacionam é reconhecida como "falsa" por quase todo mundo, a não ser por aqueles que também são falsos e igualmente alienados de quem são.

  •  Alienação quer dizer que não nos sentimos à vontade em nenhuma situação, em nenhum lugar nem com ninguém, nem mesmo conosco. Estamos sempre tentando nos sentir "em casa", mas isso nunca acontece. Alguns dos maiores escritores do século XX, como Franz Kafka, Albert Carnus, T. S. Eliot e James Joyce, não só reconheceram a alienação como o dilema universal da existência humana como é provável que a tenham sentido em si mesmos de modo profundo e, assim, foram capazes de expressá-la excepcionalmente em suas obras. Eles não ofereceram uma solução. Sua contribuição foi nos proporcionar uma reflexão sobre essa dificuldade humana, para que pudéssemos vê-la com mais clareza. Ter uma visão mais nítida de uma situação complicada em que nos encontramos é o primeiro passo no sentido de superá-la.

O livro O DESPERTAR DE UMA NOVA CONSCIÊNCIA

O Despertar de uma Nova Consciência

 - Eckhart Tolle


Prova incontestável da imortalidade

  • O ego se estabelece por meio de uma divisão da psique humana, na qual a identidade se separa em duas partes que poderíamos chamar de "eu" e "meu". Portanto, todo ego é esquizofrênico, para usar a palavra no seu significado popular, que designa personalidade dividida. Nós vivemos com uma imagem mental de nós mesmos, um eu conceitual com quem temos um relacionamento. A vida em si torna-se conceitualizada e separada de quem somos quando falamos "minha vida". No momento em que dizemos ou pensamos "minha vida" e acreditamos nessa idéia (em vez de considerá-la uma mera convenção lingüística), entramos na esfera da ilusão. Se existe algo como "minha vida", concluímos que "eu" e "vida" são duas coisas separadas. Assim, podemos também perder a vida, nosso valioso bem imaginário. A morte torna-se uma realidade aparente e uma ameaça. As palavras e os conceitos dividem a vida em segmentos isolados que não têm realidade própria. Poderíamos até mesmo dizer que o conceito "minha vida" é a ilusão original da separação, a origem do ego. Por exemplo, se eu e a vida somos dois, se eu existo separado dela, então estou separado de todas as coisas, de todos os seres, de todas as pessoas. Mas como eu poderia existir separado da vida? Qual "eu" poderia existir dissociado dela, à parte do Ser? É completamente impossível. Portanto, não existe algo como "minha vida", e nós não temos uma vida. Nós somos a vida. Nós e a vida somos um. Não é possível ser de outra maneira. Portanto, como poderíamos perder nossa vida? Como poderíamos perder algo que não temos? Como poderíamos perder algo que nós somos? É impossível.

O ego coletivo

  • Até que ponto é difícil viver consigo mesmo? Uma das maneiras pelas quais o ego tenta escapar da insatisfação que tem em relação a si próprio é ampliando e fortalecendo sua percepção do eu. Ele faz isso identificando-se com um grupo, que pode ser um país, um partido político, uma empresa, uma instituição, uma seita, um clube, uma turma, um time de futebol, etc. 

  •  Em alguns casos, o ego pessoal parece se dissolver completamente quando alguém dedica a vida a trabalhar com abnegação pelo bem maior de uma coletividade sem exigir recompensa, reconhecimento nem enaltecimento. Que alívio ser libertado da carga incômoda do eu pessoal. Os membros do grupo sentem-se felizes e satisfeitos, não importa quanto precisem trabalhar, quantos sacrifícios tenham que fazer. Eles parecem ter superado o ego. A questão é: será que se libertaram de verdade ou o ego apenas se mudou do plano pessoal para o coletivo? 

  •  Um ego coletivo manifesta as mesmas características do ego pessoal, como a necessidade de enfrentamentos e inimigos, de ter ou fazer mais, de estar certo e mostrar que os outros estão errados, etc. Cedo ou tarde, essa coletividade entrará em conflito com outras coletividades porque busca inconscientemente o desentendimento e precisa de oposição para definir seus limites e, assim, a própria identidade. Depois, seus integrantes experimentam o sofrimento, que é uma conseqüência inevitável de toda ação motivada pelo ego. A essa altura, eles podem despertar e compreender que seu grupo tem um forte componente de insanidade.

  •  Pode ser doloroso acordar de repente e perceber que a coletividade com a qual nos identificamos e para a qual trabalhamos é, na verdade, insana. Nesse momento, há pessoas que se tornam cínicas ou amargas e, daí por diante, passam a negar todos os valores, tudo o que vale a pena. Isso significa que elas adotam rapidamente outro sistema de crenças quando o anterior é reconhecido como ilusório e, portanto, entra em colapso. Elas não encaram a morte do seu ego; em vez disso, fogem e reencarnam em outro.

  •  Um ego coletivo costuma ser mais inconsciente do que os indivíduos que o constituem. Por exemplo, as multidões (que são entidades egóicas coletivas temporárias) são capazes de cometer atrocidades que a pessoa sozinha não seria capaz de praticar. Vez por outra, os países adotam um comportamento que seria imediatamente reconhecido como psicopático numa pessoa. 

  •  À medida que a nova consciência for surgindo, algumas pessoas se sentirão motivadas a formar grupos que a reflitam. E eles não serão egos coletivos. Seus membros não terão necessidade de estabelecer sua identidade por meio deles, pois já não estarão procurando nenhuma forma para definir quem são. Ainda que essas pessoas não estejam totalmente livres do ego, elas terão consciência bastante para reconhecê-lo em si mesmas ou nos outros tão logo ele se manifeste. No entanto, será preciso estar sempre alerta, uma vez que o ego tentará assumir o controle e se reafirmar de qualquer maneira. Dissolver o ego humano trazendo-o à luz da consciência - esse será um dos principais propósitos desses grupos formados por pessoas esclarecidas, sejam eles empresas, instituições de caridade, escolas ou comunidades. Essas coletividades vão cumprir uma função importante no surgimento da nova consciência. Enquanto os grupos egóicos pressionam no sentido da inconsciência e do sofrimento, as agremiações esclarecidas podem ser um vórtice para a consciência que irá acelerar a mudança planetária.  

O ego na doença

  • Uma doença pode tanto fortalecer quanto enfraquecer o ego. Se nos queixamos, sentimos pena de nós mesmos ou nos ressentimos da doença, ele se torna mais forte. E também ganha força quando tornamos a doença parte da nossa identidade conceituai: "Sou vítima desse mal." Ah, então agora todos sabem quem somos nós. Por outro lado, há pessoas que, embora tenham um ego exacerbado na vida normal, se tornam gentis, afáveis e muito melhores quando estão doentes. Elas podem ter insights que talvez nunca tenham experimentado antes. Podem também ter acesso ao seu conhecimento e contentamento internos e falar palavras de sabedoria. Depois, quando melhoram, a energia retorna e, com ela, o ego.

  •  Quando estamos doentes, nosso nível de energia é bem baixo, e a inteligência do organismo pode assumir o controle e usar a energia remanescente para curar o corpo. Assim, não existe energia suficiente para a mente, isto é, para as emoções e os pensamentos egóicos. O ego consome uma quantidade considerável de energia. Em alguns casos, no entanto, ele retém a pouca energia que resta e a utiliza para seu próprios propósitos. É desnecessário dizer que as pessoas que sentem um fortalecimento do ego quando estão doentes demoram muito mais para se recuperar. Algumas delas nunca se restabelecem. Por esse motivo, a doença se torna crônica e uma parte permanente da sua falsa percepção do eu.

O trabalho com e sem a influência do ego

  • A maioria das pessoas tem momentos livres da interferência do ego. As que são excepcionais no que fazem podem permanecer completamente ou em grande parte livres dele enquanto executam seu trabalho. Talvez elas não saibam disso, mas sua atividade se tornou uma prática espiritual. A maior parte delas se mantém no estado de presença enquanto trabalha e se retrai numa inconsciência relativa na vida privada. Isso significa que seu estado de presença ocorre durante o tempo que é destinado a uma área específica da sua vida. Conheci professores, artistas, enfermeiros, médicos, cientistas, assistentes sociais, garçons, cabeleireiros, empresários e vendedores que realizam seu trabalho de modo admirável e sem nenhuma busca pessoal, respondendo a qualquer coisa que o momento exija. Eles se tornam um só com o que fazem, com o Agora, com as pessoas e com a tarefa que executam. Sua influência sobre os outros supera a função que desempenham. Ocorre uma suavização do ego em todos com quem entram em contato. Algumas vezes, até mesmo indivíduos com um ego muito forte relaxam, baixam a guarda e param de interpretar seu papel quando interagem com essas pessoas. Não surpreende que elas sejam extraordinariamente bem-sucedidas no que fazem. Qualquer um que alcance a unificação com seu trabalho está construindo uma nova Terra. 

  • Conheci também muitos outros profissionais que podem ser tecnicamente bons no que fazem mas cujo ego sabota seu desempenho de forma constante. Apenas parte de sua atenção é fixada no trabalho que realizam; a outra parte é voltada para si mesmos. Seu ego exige o reconhecimento pessoal e desperdiça energia com ressentimento quando não obtém o suficiente - e nunca é o bastante. "Será que alguém está conseguindo mais reconhecimento do que eu?" Outras vezes, o foco da atenção dessas pessoas é o lucro ou o poder, e sua atividade nada mais é do que um meio para alcançar esse fim - nesse caso, seu desempenho não pode ser de alta qualidade. Quando surgem obstáculos ou dificuldades no trabalho, nas ocasiões em que as coisas não correm de acordo com a expectativa, sempre que pessoas ou circunstâncias não são favoráveis ou cooperativas, elas não procuram formar imediatamente um todo com a nova conjuntura e responder às exigências do momento. Ao contrário: reagem contra a situação e assim se separam dela. Existe um "eu" que se sente ofendido ou ressentido. Com isso, uma enorme quantidade de energia é queimada em protesto ou raiva inútil quando poderia ser usada para resolver a questão, caso não fosse mal empregada pelo ego. Mais do que isso, essa "antienergia" cria novos obstáculos, nova oposição. Muitos indivíduos são de fato seu pior inimigo.

  •  Sem saber, as pessoas sabotam o próprio trabalho quando se recusam a prestar ajuda ou informações aos outros ou tentam prejudicá-los para que não alcancem mais sucesso ou crédito do que elas. A cooperação é estranha ao ego, a não ser quando existe uma intenção oculta. Ele não sabe que, quando incluímos as pessoas, as coisas fluem mais suavemente e chegam até nós com mais facilidade. Se prestamos pouco ou nenhum auxílio aos outros ou colocamos obstáculos em seu caminho, o universo -na forma de pessoas e circunstâncias - nos proporciona pouca ou nenhuma ajuda porque nos separamos do todo. O sentimento essencial inconsciente do ego de "ainda não é o bastante" faz com que ele reaja ao sucesso de qualquer pessoa como se esse êxito tivesse tirado alguma coisa dele. Ele ignora o fato de que seu ressentimento em relação à conquista de alguém restringe suas próprias possibilidades de ser bem-sucedido. Para atrair o sucesso, precisamos ser receptivos a ele onde quer que o vejamos.

Formas patológicas do ego

  • Como vimos, o ego, na sua natureza essencial, é patológico, se usarmos essa palavra no seu sentido mais amplo para denotar distúrbio e sofrimento. Muitos transtornos mentais são constituídos de traços egóicos idênticos aos que se manifestam numa pessoa normal. A diferença é que, no caso do doente, eles se tornaram tão pronunciados que sua natureza patológica fica óbvia para qualquer um, menos para a vítima.

  •  Por exemplo, muitas pessoas normais contam determinados tipos de mentiras de tempos em tempos para parecer mais importantes e especiais e para realçar sua imagem na mente dos outros - mentem sobre quem elas conhecem, suas conquistas e habilidades, bens e qualquer outra coisa que o ego use para se identificar. Alguns indivíduos, porém, motivados pela sensação de insatisfação do ego e de sua necessidade de ter ou ser "mais", mentem de maneira habitual e compulsiva. A maioria das coisas que dizem sobre si mesmos, sua história, é uma verdadeira fantasia, uma obra de ficção que o ego cria para se sentir maior, mais especial. Sua auto-imagem grandiosa e inflada pode às vezes enganar os outros, mas normalmente não por muito tempo. A maior parte das pessoas logo a reconhece como uma completa invenção. 

  •  A doença mental chamada esquizofrenia paranóide, ou paranóia, é essencialmente um forma exagerada de ego. Em geral, ela consiste numa história ficcional que a mente inventa para dar sentido a um persistente sentimento subjacente de medo. O elemento principal da história do portador desse mal é a crença de que determinadas pessoas (algumas vezes, um monte de gente ou quase todo mundo) estão tramando contra ele ou conspirando para controlá-lo ou matá-lo. Como a história costuma ter coerência e lógica, por vezes faz com que os outros também acreditem nela. Há casos de empresas e países que têm sistemas de crenças paranóicos na sua própria base. O medo e a desconfiança que o ego tem das pessoas, sua tendência a enfatizar a alteridade concentrando-se nas falhas e tornando-as a identidade do outro, ganham uma proporção maior e transformam todos em monstros desumanos. O ego precisa das pessoas, porém seu dilema é que, no fundo, ele as odeia e as teme. A afirmação de Jean-Paul Sartre "O inferno são os outros" é a voz do ego. Quem sofre de paranóia sente o inferno de maneira mais aguda; no entanto, todos aqueles que apresentam padrões egóicos ativos sentem-no num grau qualquer de intensidade. Quanto mais forte o ego, maior a probabilidade de vermos as pessoas como a principal fonte dos nossos problemas. Há também uma grande chance de que tornemos a vida difícil para os outros. Mas, é claro, não somos capazes de perceber isso. Sempre são eles que parecem estar nos fazendo mal.

  •  Há outro elemento do ego que se manifesta como um sintoma da doença mental que chamamos paranóia, porém, nesse caso, de forma mais extrema. Quanto mais o doente se considera perseguido, espionado ou ameaçado, mais pronunciada se torna a sensação que ele tem de ser o centro do universo, a pessoa em torno da qual tudo gira. E uma questão ainda mais importante: ele se imagina o ponto focal da atenção de um grande número de pessoas. A sensação que ele tem de ser uma vítima, de estar sendo prejudicado por tanta gente o torna muito especial. Na história que constitui a base do seu sistema ilusório, ele geralmente se vê tanto no papel de vítima quanto no de herói potencial que vai salvar o mundo ou derrotar as forças do mal.

  •  O ego coletivo de tribos, países e organizações religiosas também costuma apresentar um forte elemento de paranóia: nós contra os maus. Isso é a causa da maior parte do sofrimento humano, como mostram os seguintes fatos: a Inquisição, a perseguição e queima de hereges e "bruxas", as relações entre países conduzindo à Primeira e à Segunda Guerras, o comunismo em toda a sua história, a Guerra Fria, o macarthismo nos Estados Unidos na década de 1950, o longo e violento conflito no Oriente Médio e todos os dolorosos episódios da história humana dominada por extrema paranóia coletiva.

  •  Quanto mais inconscientes estiverem as pessoas, os grupos e os países, maior a probabilidade de que a patologia egóica assuma a forma de violência física. A violência é um recurso primitivo e ainda muito disseminado que o ego usa para tentar se afirmar, para provar a si mesmo que ele está certo e o outro, errado. Entre aqueles que apresentam um alto grau de inconsciência, as discussões podem causar a violência com a maior facilidade. O que é uma discussão? É a exposição de opiniões diferentes entre duas ou mais pessoas. Cada uma delas está tão identificada com os pensamentos que constituem seu ponto de vista que essas formas de pensar se cristalizam em posições mentais que são investidas de uma percepção do eu. Em outras palavras: a identidade e o pensamento se fundem. Quando isso acontece, isto é, sempre que estamos defendendo nossas opiniões (pensamentos), sentimos e agimos como se estivéssemos protegendo nosso próprio eu. Inconscientemente, é como se estivéssemos travando uma luta pela sobrevivência e, assim, nossas emoções refletem essa crença. Elas se tornam turbulentas. Ficamos perturbados, irados, na defensiva ou agressivos. Precisamos vencer a qualquer custo ou seremos aniquilados. Essa é a ilusão. O ego não sabe que a mente e as posições mentais não têm nada a ver com quem nós somos porque ele é a própria mente não observada. 

  •  No zen se costuma dizer: "Não busque a verdade. Apenas pare de cultivar opiniões." O que isso significa? Deixe de lado a identificação com a mente. Assim, quem você é além da mente emergirá por si mesmo.

O SEGREDO DA FELICIDADE

  • Todos os exemplos mencionados na seção anterior são suposições, pensamentos não analisados e não comprovados que se confundem com a realidade. São histórias que o ego cria para nos convencer de que não conseguimos ficar em paz agora ou de que não podemos ser nós mesmos plenamente no presente. Ficarmos em paz e ser quem somos, isto é, nós mesmos, são uma coisa só. O ego diz: "Talvez em algum momento no futuro eu possa ficar em paz, caso isso ou aquilo aconteça ou se eu conseguir isso ou me tornar aquilo." Ou ele afirma: "Houve algo no passado que nunca me deixa ficar em paz." Se ouvirmos as histórias das pessoas, veremos que todas elas têm o título: "Por que eu não consigo ficar em paz agora." O ego não sabe que sua única oportunidade de ficar em paz é agora. Ou talvez ele saiba e tenha medo de que nós acabemos descobrindo isso. Paz, acima de tudo, é o fim do ego.

  •  Como ficar em paz agora? Fazendo as pazes com o momento presente. Esse momento é o campo em que o jogo da vida acontece. Não há nenhum outro lugar em que ele possa existir. Uma vez que tenhamos nos reconciliado com o momento presente, devemos observar o que ocorre, o que podemos fazer ou escolher fazer ou, em vez disso, o que a vida faz por nosso intermédio. Há uma expressão que revela o segredo da arte de viver, a chave de todo sucesso e de toda felicidade: nossa unificação com a vida. Quando formamos um todo com ela, formamos um todo com o Agora. Nesse instante, compreendemos que não vivemos a vida, é ela que nos vive. A vida é a dançarina e nós, a dança.

  •  O ego adora o ressentimento que alimenta contra a realidade. O que é realidade? Qualquer coisa. Buda chamou-a de tatata - a verdadeira natureza da vida, que não é mais do que a verdadeira natureza do momento. A oposição contra essa essência é uma das principais características do ego. Ela dá origem ao negativismo em que o ego se fortalece, à infelicidade que ele adora. Nesse sentido, causamos sofrimento a nós mesmos e aos outros sem nem sequer saber que estamos fazendo isso, ignorando que estamos criando o inferno na Terra. Provocarmos dor sem saber - essa é a essência de vivermos de modo inconsciente, é estarmos totalmente sob o domínio do ego. A extensão da incapacidade que ele tem de reconhecer a si mesmo e ver o que está causando é perturbadora e inacreditável. Ele faz exatamente o que condena nos outros, porém não percebe isso. Quando esse comportamento se torna evidente, ele usa a negação irada, argumentos sagazes e justificativas para distorcer os fatos. Tanto as pessoas quanto as empresas e os governos agem assim. No instante em que todos os recursos falham, o ego recorre aos gritos e até mesmo à violência física. Envia os soldados. Agora podemos entender a sabedoria profunda das palavras de Jesus na cruz: "Perdoai-os, pois eles não sabem o que fazem."

  •  Para darmos fim ao sofrimento que vem afligindo a condição humana há milhares de anos, precisamos começar por nós mesmos e assumir a responsabilidade por nosso estado interior em qualquer momento. Isso quer dizer agora. Portanto, pergunte-se: "Estou dando mostras de negativismo neste exato instante?" Depois fique alerta, preste atenção nos seus pensamentos e nas suas emoções. Observe as formas de infelicidade que se manifestam em graus menos elevados, como aquelas que mencionei anteriormente - descontentamento, irritação, saturação, etc. Atente para os pensamentos que parecem justificar ou explicar essa infelicidade, mas que, na verdade, são seus causadores. Caso você tome consciência de um estado negativo dentro de si mesmo, isso não significa um fracasso da sua parte. Ao contrário, mostra que obteve sucesso. Enquanto a consciência não se manifesta, existe identificação com os estados internos - e essa identificação é o ego. Com a consciência vem o abandono da identificação com os pensamentos, as emoções e as reações. No entanto, esse processo não deve ser confundido com negação. Os pensamentos, as emoções e as reações são reconhecidos e, no momento em que são detectados, o fim da identificação se dá de forma automática. Nossa percepção do eu, ou seja, de quem somos, passa então por uma mudança: diante de nós estão os pensamentos, as emoções e as reações, e agora nós somos a consciência, a presença consciente que testemunha esses estados. "Um dia vou me libertar do ego." Quem está falando? O ego. Libertar-se dele não é verdadeiramente um grande trabalho, mas uma tarefa muito pequena. Basta estarmos conscientes dos nossos pensamentos e das nossas emoções à medida que eles vão surgindo. Não se trata de "fazer", e sim de "ver" com atenção. Nesse sentido, é verdade que não há nada que possamos fazer para nos libertar do ego. Quando essa mudança acontece, ou seja, quando passamos do pensamento para a consciência, uma inteligência muito maior do que a esperteza do ego começa a agir na nossa vida. As emoções e até mesmo os pensamentos são despersonalizados pela consciência. A natureza impessoal de ambos é reconhecida. O eu deixa de existir neles. São apenas emoções e pensamentos humanos. Toda a nossa história pessoal, que, em última análise, não passa mesmo de urna história, de um amontoado de pensamentos e emoções, adquire uma importância secundária e não ocupa mais o primeiro plano da nossa consciência. Ela deixa de formar a base para nosso sentido de identidade. Nós somos a luz da presença, a consciência de que somos mais importantes e mais profundos do que quaisquer pensamentos e emoções.

A infelicidade em segundo plano

  • O ego cria separação, e a separação causa sofrimento. Portanto, o ego é claramente patológico. Além de suas manifestações óbvias, como raiva, rancor e inveja, o negativismo assume formas mais sutis que, por serem muito comuns, não costumam ser reconhecidas como tal, como impaciência, irritação, nervosismo e sensação de estar "cheio" de uma situação ou de alguém, isto é, de ter chegado ao limite. Elas constituem a infelicidade em segundo plano, que é o estado interior predominante de muitas pessoas. Precisamos estar absolutamente atentos e presentes para detectá-las. Sempre que fizermos isso, será um momento de despertar, ou de abandono da identificação com a mente.

  •  Vou mencionar um dos estados negativos mais comuns que desconsideramos com a maior facilidade justamente por ser corriqueiro. Talvez você esteja familiarizado com ele. Você costuma ter uma sensação de descontentamento que poderia ser descrita como uma espécie de ressentimento em segundo plano? Ela pode ser específica ou não. Muitas pessoas passam uma grande parte da vida nesse estado. Elas se identificam tanto com ele que não conseguem se afastar e detectá-lo. O que sustenta essa sensação são certas crenças que mantemos de modo inconsciente, determinados pensamentos. Nós os cultivamos da mesma maneira que sonhamos quando estamos dormindo, isto é, não sabemos que os estamos alimentando, assim como quem sonha ignora que está sonhando. 

  •  Aqui estão alguns dos pensamentos inconscientes mais comuns que nutrem a sensação de descontentamento, ou o ressentimento em segundo plano. Eliminei seu conteúdo para que apenas sua estrutura permanecesse. Eles se tornam mais claramente visíveis dessa maneira. Sempre que você detectar a infelicidade em segundo plano na sua vida (ou até mesmo no primeiro plano), poderá verificar quais destes pensamentos se aplicam ao caso e preenchê-los com seu próprio conteúdo, de acordo com sua situação pessoal: 

  •  "Alguma coisa precisa acontecer na minha vida para que eu me sinta em paz (feliz, satisfeito, etc). E eu me ressinto de que isso não tenha acontecido ainda. Talvez meu ressentimento faça com que finalmente ocorra."

  •  "Houve um fato no passado que não devia ter acontecido, e eu me ressinto disso. Se isso não tivesse ocorrido, eu estaria em paz agora." 

  •  "Existe algo acontecendo agora que não deveria estar acontecendo, e isso está me impedindo de ficar em paz." 

  •  Geralmente, as crenças inconscientes são dirigidas contra uma pessoa e assim "acontecendo" se torna "fazendo": 

  •  "Você deveria fazer isto para que eu fique em paz. Estou ressentido porque você não fez ainda. Quem sabe meu ressentimento o leve a fazê-lo."

  •  "Alguma coisa que você ou eu fizemos, dissemos ou deixamos de fazer no passado está me impedindo de ficar em paz agora."

  •  "O que você está fazendo ou deixando de fazer não está me permitindo ficar em paz."

O Ego Patológico

  • Considerando a palavra "patológico" no seu sentido mais amplo, podemos dizer que o ego em si é patológico, não importa que forma assuma. Quando observamos a raiz desse termo no grego antigo, vemos quanto é apropriado aplicá-lo ao ego. Embora costume ser usado para explicar uma condição de doença, ele deriva de pathos, que significa sofrimento. Isso, é claro, foi o que Buda descobriu 2.600 anos atrás como uma característica da condição humana.

  •  Uma pessoa dominada pelo ego, contudo, não reconhece o sofrimento como sofrimento - ela o considera a única resposta adequada em qualquer tipo de situação. O ego, na sua cegueira, é incapaz de ver a dor que inflige a si mesmo e aos outros. A infelicidade é uma doença "mental-emocional" que atingiu proporções epidêmicas. É o equivalente subjetivo da poluição ambiental do planeta. Estados negativos, como raiva, ansiedade, rancor, ressentimento, descontentamento, inveja e ciúme, entre outros, não costumam ser vistos como negativos, e sim como condições totalmente justificadas. Além disso, há compreensão errônea de que eles não são criados pela própria pessoa, mas por alguém ou por um fator externo. "Eu o considero responsável pela minha dor." Isso é o que o ego deixa subentendido. 

  •  O ego não consegue distinguir entre uma situação e sua interpretação de uma reação a essa situação. Podemos dizer "Que dia horrível!" sem atentarmos para o fato de que o frio, o vento e a chuva ou qualquer elemento ao qual estejamos reagindo não são horríveis. Eles são como são. O que é horrível é nossa reação, a resistência subjetiva a eles e a emoção que é criada por essa resistência. Nas palavras de Shakespeare: "Nada existe de bom nem de mau, o pensamento é o que o torna assim."2 Mais do que isso, o ego sempre interpreta mal o sofrimento como um prazer porque, até determinado ponto, ele se fortalece por meio desse estado negativo. 

  •  Por exemplo, a raiva e o ressentimento exacerbam o ego, aumentando a sensação de separação, enfatizando a diferença em relação aos outros e criando a postura "estou coberto de razão", que mais parece uma fortaleza inexpugnável. Se fôssemos capazes de observar as mudanças psicológicas que acontecem dentro do nosso corpo quando somos dominados por essas disposições negativas, caso pudéssemos ver de que modo elas prejudicam o funcionamento do coração e dos sistemas digestivo e imunológico, além de muitas outras funções corporais, ficaria óbvio que esses estados são de fato patológicos, isto é, são formas de sofrimento, e não de prazer.

  •  Sempre que nos encontramos nesse tipo de condição, há algo em nós que deseja o negativismo, que o percebe como prazeroso ou que acredita que ele nos dará o que desejamos. De outra maneira, quem o buscaria, quem gostaria de tornar a si mesmo e aos outros infelizes e causar doenças ao próprio corpo? Portanto, sempre que o negativismo surgir e formos capazes de estar conscientes de que existe algo em nós que sente prazer nele ou acredita que ele tenha um propósito útil, estaremos nos tornando conscientes do ego diretamente. É nesse momento que nossa identidade se transfere do ego para a consciência. Isso quer dizer que o ego está se encolhendo, enquanto a consciência está se expandindo.

  •  Se em meio ao negativismo conseguirmos compreender a idéia de que naquele instante estamos causando sofrimento a nós mesmos, isso será suficiente para nos colocar acima das limitações das reações e dos estados egóicos condicionados. Isso mostrará as infinitas possibilidades que se abrem para nós quando a consciência está presente - maneiras diferentes e muito mais inteligentes de enfrentarmos qualquer situação. Assim que reconhecemos nossa infelicidade como algo não inteligente, nos libertamos dela. O negativismo é destituído de inteligência. Ele é sempre uma criação do ego, que pode ser esperto, mas não é inteligente. A esperteza persegue objetivos próprios e pequenos. A inteligência vê o conjunto maior em que todas as coisas estão interligadas. A esperteza é motivada pelo interesse pessoal e é extremamente imediatista. Em sua maioria, os políticos e os profissionais do mundo dos negócios são espertos. Muito poucos são inteligentes. Tudo o que é alcançado por meio da esperteza tem vida curta e sempre resulta numa derrota pessoal. A esperteza divide, enquanto a inteligência inclui.

Desistindo de interpretar papéis

  • Fazer o que é exigido de nós em qualquer situação sem que isso se torne um papel com o qual nos identificamos é uma lição essencial na arte de viver que todos nós estamos aqui para aprender. Somos mais eficazes no que quer que façamos quando executamos a ação em benefício dela mesma, e não como um meio de proteger e acentuar a identidade do nosso papel. Todo papel é uma percepção fictícia do eu e, por meio dele, tudo se torna personalizado e assim corrompido e distorcido pelo "pequeno eu" criado pela mente, seja qual for a função que este esteja desempenhando. Quase todas as pessoas em posições de poder, como políticos, celebridades e líderes empresariais e religiosos, se encontram inteiramente identificadas com seu papel, com poucas exceções notáveis. Esses indivíduos podem ser considerados VIPs, mas não são mais do que participantes inconscientes do jogo egóico, que, apesar de parecer muito importante, não apresenta, em última análise, um propósito verdadeiro. Ele é, nas palavras de Shakespeare, "uma história contada por um idiota, repleta de som e de fúria, sem nenhum significado".1 E Shakespeare chegou a essa conclusão sem nem sequer ter visto televisão. Se o conflito egóico tem de fato um propósito, este é indireto: ele cria cada vez mais sofrimento neste mundo, e o sofrimento, embora produzido em sua maior parte pelo ego, no fim também o destrói. Ele é o fogo no qual o ego se consome. 

  •  Neste mundo de personalidades que interpretam papéis, as poucas pessoas que não projetam uma imagem criada pela mente e que agem com o âmago do seu Ser, aquelas que não tentam parecer mais do que são, destacam- se como admiráveis e são as únicas que fazem verdadeiramente a diferença - e existem algumas assim até mesmo na mídia em geral e no universo dos negócios. Elas são os mensageiros da nova consciência. Qualquer coisa que façam se torna importante porque está alinhada com o propósito do todo. Contudo, sua influência vai muito além do que realizam, da sua atividade. Sua mera presença - simples, natural, despretensiosa - tem um efeito transformador sobre qualquer um que tenha contato com elas.

  •  Quando não interpretamos papéis, é porque que não há eu (ego) no que estamos fazendo. Não existem intenções ocultas: a proteção ou o fortalecimento do eu. Por esse motivo, nossas ações têm uma força muito maior. Ficamos totalmente concentrados na situação, nos tornamos um só com ela. Não procuramos ser alguém diferente. Passamos a ser mais capazes, mais eficazes, quando somos nós mesmos. Todavia, não devemos tentar ser nós mesmos, pois esse é outro papel. Estou falando do chamado "eu natural, espontâneo". Assim que buscamos ser isso ou aquilo, interpretamos um papel. "Apenas seja você mesmo" é um bom conselho, no entanto também pode ser enganador. Primeiro, a mente dirá: "Vejamos. Como posso ser eu mesmo?" Depois, desenvolverá uma estratégia do tipo "Como ser eu mesmo". Outro papel. Assim, "Como posso ser eu mesmo?" é, na verdade, a pergunta errada. Ela pressupõe que temos que fazer algo para sermos nós mesmos. Porém, "como" não se aplica a esse caso porque já somos nós mesmos. Precisamos apenas parar de acrescentar elementos desnecessários a quem já somos. "Mas eu não sei quem sou. Ignoro o que significa ser eu mesmo." Quando conseguimos nos sentir à vontade em não saber quem somos, então o que sobra é quem somos - o Ser por trás do humano, um campo de pura potencialidade em vez de alguma coisa que já está definida.

  •  Portanto, desista de se definir - para si mesmo e para os outros. Você não morrerá. Você nascerá. E não se preocupe com a definição que os outros lhe dão. Quando uma pessoa o define, ela está se limitando, então o problema é dela. Sempre que estiver interagindo com alguém, não se porte como se você fosse basicamente uma função ou um papel, mas um campo de presença consciente. 

  •  Por que o ego interpreta papéis? Por causa de um pressuposto não questionado, um erro fundamental, um pensamento inconsciente, que é: "Não sou o bastante." E a esse pensamento se seguem outros, como "Tenho que interpretar um papel para conseguir o que é necessário para me completar", "Preciso obter mais para ser mais". No entanto, não podemos ser mais do que somos porque, por baixo da superfície da nossa forma física e psicológica, somos um só com a Vida em si mesma, com o Ser. Na forma, somos e seremos sempre inferiores a algumas pessoas e superiores a outras. Na essência, não somos inferiores nem superiores a ninguém. A verdadeira auto- estima e a autêntica humildade surgem dessa compreensão. Aos olhos do ego, a auto-estima e a humildade são contraditórias. Na verdade, elas são uma só coisa e a mesma.